SÓ A MURRO!
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Morte de um “ser-amargo”
Editorial
POR:
R. VARELA AFONSO
Com a idade de 87 anos, morreu sexta-feira nas
Canárias espanholas o escritor português José Saramago,
Prémio Nobel da Literatura em 1998.
Ficou a saber-se que, por decisão do Governo português,
um Nobel vale dois dias de luto nacional e o direito
ao pagamento, pelo erário público, da sua última
vontade: a de que as suas cinzas ficassem em Portugal.
Foi assim que, na hora, o Governo tivesse fretado um
avião para transportar a urna com os seus restos mortais
da ilha de Lanzarote para Lisboa, onde o aparelho
aterrou sábado no aeroporto militar de Figo Maduro.
Nesta viagem, o Governo fez-se representar pela ministra
da Cultura.
Feita pelo Governo a vontade a quem vivia voluntariamente
fora do País, continua injustamente por cumprir,
nesta diferença de comportamentos, o repatriamento
dos corpos dos militares portugueses que em serviço
compulsivo perderam a vida - quais Nóbeis da Pátria - e
se encontram enterrados por essa África fora.
E era sobre a guerra que Saramago iria debruçar-se
como tema do seu próximo livro, abordando - certamente
sob o seu ponto de vista sectário de comunista militante
- “a culpa de cada um e de todos nos conflitos”.
Estavam já escritas, pelo menos, 30 páginas.
Que iria dizer deles, um homem que chegou a afirmar
que “Portugal deveria ser uma província de Espanha”. É
de se lhe perdoar?
Como homem que dava a entender, nas suas intervenções,
que a verdade sobre tudo e todos era a “sua” verdade,
não sabemos se hoje, caso o partido da sua predilecção
tivesse chegado ao poder em 1974, teríamos a
liberdade de não ser comunistas. Ele era o militante
mais emblemático do Partido Comunista Português, no
qual se filiara em 1969.
Iniciou a vida profissional como serralheiro mecânico.
Depois foi desenhador e funcionário da previdência e
em 1972 tornou-se jornalista profisisonal.
Enquanto director do Diário de Notícias, no Verão
Quente de 1975, em pleno gonçalvismo, José Saramago
ficou ligado ao saneamento de 24 jornalistas que exigiam
mais pluralismo, apoiados por frequentes manifestações
à porta do jornal, gritando o slogan “O jornal é do
povo, não é de Moscovo”. A 25 de Novembro, o jornal
foi suspenso e Saramago afastado.
Ele estava, na linha do PCP, absolutamente envolvido
no chamado processo revolucionário em curso e o seu
nome faz parte de uma das páginas mais polémicas da
comunicação social portuguesa.
Nos seus tempos de aluno do ensino secundário, José
Saramago, filho de um polícia e neto de camponeses da
Azinhaga do Ribatejo, era aluno de 11 a Português na
Escola Industrial Afonso Domingues, em Lisboa, depois
de ter desistido de frequentar o Liceu Nacional de Gil
Vicente. Como escritor, apesar de alguns o classificarem
apenas como “acima da média” e outros o criticarem
pela sua opção na escolha do tipo de pontuação,
chegou ao Nobel.
José de Sousa, que teve na certidão de nascimento,
pela lavra do escrivão do Registo Civil, o nome de Saramago
como alcunha da família Meirinho, era um homem
polémico e que não gozava de muitas simpatias
em certos meios políticos e religiosos. Nunca foi um
homem de sorrisos e, como ser amargo, era um provocador
que despertava ódios conscientemente.
As relações, por exemplo, com Cavaco Silva, com o
qual divergia, não eram as melhores.
De férias nos Açores, de onde só regressou ontem
depois das cerimónias fúnebres de Saramago - repartidas
entre o Salão Nobre dos Paços do Concelho de
Lisboa e o Cemitério do Alto de S. João, onde foi feita a
cremação -, o Presidente da República cumpriu o seu
papel institucional de enviar condolências à família,
através de um comunicado oficial, mas não esteve no
funeral.
A ausência de Cavaco Silva ter-se-ia devido a um episódio
ocorrido há 18 anos durante um dos governos
presididos pelo actual Presidente da República, quando
Sousa Lara, então subsecretário do Ministério da Cultura
tutelado por Santana Lopes, recusou indicar o
“Evangelho segundo Jesus Cristo” para Prémio Europeu
da Literatura. Sousa Lara comparou nessa altura
José Saramago àquelas pessoas que “podem dizer
tudo, que podem fazer as coisas mais absurdas e as
pessoas habituam-se a isso e não levam a mal. Só tenho
pena que não enxovalhe, da mesma forma que
enxovalha o património católico, por exemplo os muçulmanos,
porque esses não perdoam e vergam-lhe pela
pele”.
Numa das suas últimas entrevistas, em Outubro do
ano passado, lembrando ainda o conflito com a Secretaria
de Estado da Cultura do Governo de então, José
Saramago dizia: “Não aceito pedidos de desculpa com
17 anos de atraso. Também não vale a pena preocuparme
porque ele (Cavaco Silva) não é homem para pedir
desculpas”.
Mas como chegou, em 1998, José Saramago - o primeiro
da língua portuguesa - ao Prémio Nobel, um galardão
criado em 1901 pelo cientista e empresário Alfred
Nobel?
Acabava, precisamente com ele, uma espera que se
prolongava há tempo demasiado, depois da nossa plurissecular
Língua, com mais de 200 milhões de falantes,
ter perdido a oportunidade de ser homenageada anteriormente
através dos notáveis trabalhos literários de
Ferreira de Castro, Miguel Torga, Fernando Namora, ou
de outros escritores da “mesma pátria linguística”, para
usar a expressão de Mia Couto, como o frequentemente
sugerido Jorge Amado, autores de uma língua que
deu ao mundo grandes mestres como um Luís de Camões,
um Gil Vicente, um Eça de Queiroz e um Fernando
Pessoa.
De Saramago, obviamente que diz bem o seu editor,
aquele que vive do lançamento comercial dos seus livros
e que acompanhou durante os últimos 21 anos a
sua vida e a sua obra. Segundo o editor, a obra de José
Saramago é notável, invejável e difícil de igualar. E até
disse que “nem Fernando Pessoa atingiu este patamar”.
Mas em 1998 havia que atacar a Igreja e dar coro a
uma campanha anti-clerical, a qual se tem prolongado
até aos dias de hoje. A obra do ateu Saramago - um
invectivador de Deus e da Igreja - cumpria os objectivos
e o júri da Real Academia Sueca prestou-se a isso, depois
de um intenso lobbying feito anos a fio junto dele.
Saramago foi feito Nobel. A simples atribuição do prémio
conferiu-lhe uma consagração universal e a tradução
da sua obra em muitas línguas. Ao todo, quarenta
e duas de cinquenta e três países. Estava espalhado o
vírus anti-clerical.
Mas será que, só por sermos portugueses, temos que
aceitar como boa a decisão do júri?
Os brasileiros, que têm prestado um bom serviço na
divulgação da lusofonia, queixam-se e com razão:
“somos pentacampeões em futebol mas não temos um
Prémio Nobel da Literatura”.
Mas, hoje, é a instituição religiosa que temos que defender
dos ataques de Saramago, que acusava o Papa
Bento XVI de hipócrita e a Igreja Católica de se confundir
muitas vezes com uma associação de criminosos.
Numa reacção à sua morte, o jornal do Vaticano,
Osservatore Romano, atacou ontem duramente Saramago,
chamando-o de "populista extremista" e de
"ideólogo antirreligioso".
Com o título "O grande (suposto) poder do narrador",
o órgão oficial do Vaticano criticava na sua edição de
ontem, domingo, com virulência, o Prémio Nobel da Literatura,
que era marxista e ateu.
O Osservatore Romano definiu-o como um homem e
um intelectual que não admitia metafísica alguma, aprisionado
até ao fim na sua confiança profunda no materialismo
histórico, o marxismo.
O jornal considera ainda que o escritor "colocou-se
com lucidez ao lado das ervas daninhas no trigal do
Evangelho".
"Ele dizia que perdia o sono só de pensar nas Cruzadas
ou na Inquisição, esquecendo-se dos gulags, das
perseguições, dos genocídios e dos samizdat (relatos
de dissidentes da época soviética) culturais e religiosos",
indica ainda o Osservatore Romano no seu editorial,
aludindo desta forma à sua falta de honestidade intelectual.
O jornal considera Saramago "um populista extremista",
que se referia "de forma muito cómoda" a "um
Deus no qual jamais acreditou por se considerar todopoderoso
e omnisciente".
Saramago provocou a ira do Vaticano e da Igreja Católica
com a sua obra "O Evangelho segundo Jesus
Cristo" (1992) no qual considerava que Jesus perdeu a
sua virgindade com Maria Madalena. Ele suscitou novamente
a cólera do povo católico em 2009 com "Caim",
onde a personificação bíblica do Mal é descrita como
um ser humano nem melhor nem pior do que os outros,
enquanto Deus é apresentado como injusto e invejoso.
Durante a apresentação desse livro, Saramago classificou
a Bíblia como um "manual de maus costumes, um
catálogo de crueldades e do pior da natureza humana".
No seu ateismo e anticlericalismo, Saramago excedeuse
ao máximo e de forma brutal quando chamou em
Caim “filho da puta” ao deus dos cristãos - por não ter
pai nem mãe - e considerou a Bíblia imprópria para jovens:
“Não é um livro que se possa deixar à mão de um
adolescente. Aquilo só tem maus conselhos. Aquilo é
um desastre”.
Sobre o livro sagrado, Saramago costumava dizer: “Lê
a Bíblia e perde a fé”.
No tocante a Fátima, Saramago dizia “não percebia
como é que a Virgem aparecia em cima de uma azinheira
para dar um recado divino a três miúdos analfabetos”.
Talvez esquecido dessa referência, na noite de 7 de
Dezembro de 1998, quando se apresentou ao Comité
do Prémio Nobel, José Saramago recuou a memória
até aos tempos de infância e disse que “o homem mais
sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler
nem escrever”. Esse analfabeto era o seu avô Jerónimo
Meirinho.
Deixei para o fim uma última questão: será que Saramago
tinha também a Igreja como alvo, quando aos
sessenta e tal anos passou a sexualizar com aquela
que viria a ser a sua terceira mulher: uma jornalista espanhola
da Andaluzia, de 36 anos, também ela comunista
convicta, mas que tinha sido antiga freira teresiana,
membro de um instituto secular ligado à figura de
Santa Teresa de Jesus, que abandonou.
Hoje, rezar-lhe pela alma será trair aquelas que foram,
em vida, suas convicções. Que Deus lhe perdoe, que
eu não consigo.
O SÉCULO DE
J o a n e s b u r g o
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21 DE JUNHO DE 2010
ANO XLVII
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