SÓ A MURRO!
domingo, 24 de outubro de 2010
" Triste sina "
Triste sina
por VASCO GRAÇA MOURA
sexta-feira passada, quatro importantes personalidades que integram o Grupo de Trabalho da Sedes divulgaram um documento, intitulado Um ano de Governo, que saiu no Público, fazendo a análise e balanço da actuação do Governo ao longo dos últimos doze meses. Três dessas figuras, Henrique Medina Carreira, Luís Campos e Cunha e Henrique Neto, têm pelo menos uma ligação histórica ao PS. Os dois primeiros foram ministros das finanças em governos socialistas. Quanto a João Salgueiro, ligado historicamente ao PSD, foi também ministro das Finanças num governo social-democrata.
Esse documento merece ser analisado atentamente. Desde logo por pôr em relevo a falta de seriedade e tergiversação nas promessas e garantias do Governo quanto a impostos e também a sua manifesta e delirante irresponsabilidade na contratação de uma nova auto-estrada e do TGV do Caia-Poceirão, exactamente na véspera do anúncio de novas medidas orçamentais altamente gravosas e a despeito da situação que se viveu a partir de Abril deste ano. Isto permite uma primeira ilação imediata: é impensável que o Governo, agindo assim, não se desse conta de que estava a lesar o interesse nacional.
O documento afirma também que o Governo não explicou cabalmente os factores condicionantes do descontrolo da despesa pública e se viu forçado a tomar as medidas violentíssimas do PEC III tarde demais, depois de ter andado a negar as dificuldades e constrangimentos e agravamentos do que se passava. Deixou apodrecer a situação e só depois de ela estar completamente deteriorada é que, "sem estudo e sem preparação", tomou medidas que, se tivessem sido perspectivadas dez meses antes, não teriam carecido de ser tão brutais. O que nos leva logo a outra ilação: é impensável que o Governo não soubesse que as coisas iriam inevitavelmente passar--se assim.
No final do seu documento, os quatro signatários que são, como toda a gente sabe, reputados especialistas em matéria de finanças públicas, exprimem-se com uma clareza tão demolidora que podemos concluir o seguinte:
a) A política orçamental foi viciada de raiz pelas opções que o Governo tomou: "Tudo o que se passou neste longo ano de política orçamental foi contrário ao bom desempenho da nossa economia."
b) O País viveu numa situação de meia-bola-e-força, quando não de pura aldrabice ziguezagueante, imputável ao Governo: "Foi uma política inconsistente, hesitante, em estado de negação da realidade e, como tal, sempre tardia e com custos acrescidos para os portugueses."
c) A falta de competência e a falta de capacidade caracterizaram a acção de um Governo que só tomou medidas in extremis e por arrastamento, face a imposições e constrições vindas de fora: "O Governo reagiu tarde e por pressão exterior, em vez de agir por antecipação e com convicção."
d) O Governo português é o grande responsável pela crise, pelo descrédito e pela situação de falência e de miséria em que o País se encontra: "Por tudo isto, este Governo, não falando, atempadamente, com verdade e com sentido de responsabilidade, desbaratou credibilidade necessária para enfrentar com sucesso os graves problemas e os desafios mais urgentes que Portugal e os portugueses enfrentam."
Do que entretanto se passou com as fitas de entrega e não entrega do projecto de Orçamento a tempo e horas ainda pode concluir-se mais uma coisa: a ópera bufa continua.
Por mim, na sexta-feira de manhã, ainda consegui aguentar um quarto de hora a escutar na rádio o primeiro-ministro no Parlamento, a meter os pés pelas mãos e as mãos pelos pés, a não responder com clareza às questões que lhe eram colocadas, a retomar a técnica da evasiva trapalhona para se furtar às suas próprias contradições, a ter a insolência de meia-tijela de fingir que se esquecia do seu próprio trajecto político, feito de afirmações inconsequentes, de promessas não cumpridas e de garantias caídas num saco roto. E passados esses 15 minutos em que tive vergonha, como português, de ouvir o que estava a ouvir, achei a prestação tão enjoativa, tão pantomineira, tão sem categoria e tão indigna de um país membro da União Europeia, que mudei para a Rádio Amália porque esta, em matéria de fado e triste sina, sempre transmite coisas bem mais autênticas e decentes.
VASCO GRAÇA MOURA20 Outubro 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário